19.5.13

A cura

Estou aqui, sentado no canto escuro da sala, esperando. Ela está a cinco passos de mim, deitada numa reluzente poça vermelho vinho tinto. Suas costas nuas mirando para o teto, seus olhos mortos me encarando. Como se quisesse falar alguma coisa. Me agradecer pelo que fiz. Eu só fiz o que tinha que fazer. O que ela queria que eu fizesse. Ela ansiava por isso, eu sei.

Eu estava lá quando ela pegou seu carro pela manhã no estacionamento do supermercado. Eu a segui pela avenida até a sua casa. Pude ver em seus lindos olhos castanhos a tristeza. Seus olhos imploravam pela cura, e eu, bem, eu a curei para sempre. Esperei que ela entrasse e que a escuridão da noite chegasse. Fui atrás dela. Sua casa parecia tão convidativa. Estava tudo lá, implorando por ajuda, e eu ajudei. Peguei uma faca grande da gaveta da cozinha dela, ela estava no banho. Esperei pacientemente no mesmo canto escuro da sala que me encontro agora. Ela veio silenciosamente me pedindo a cura. Vim pelas suas costas, ela subitamente se vira com uma expressão de pânico estampada no rosto. "Calma minha querida, a dor já vai embora" eu disse.

A lâmina da faca penetrou seu abdômen. Pele, carne, sangue, ossos. O glorioso e quente sangue jorrou contra minhas mãos e caiu volumoso no chão, aos nossos pés. Seu rosto aterrorizado foi lentamente se transformando no rosto inexpressivo de uma boneca de porcelana. Arranquei a lâmina de sua barriga, seu corpo semi morto girou desengonçadamente e foi de encontro ao chão. A cura estava completa! Eu a curei da vida.

Agora estou aqui sentado no canto escuro da sala, esperando. Esperando a polícia chegar e limpar a minha bagunça. Talvez os policiais também precisem da cura. Se precisarem, estarei aqui.

7.5.13

Pedalar pra quê?

Gostaria de compartilhar um segredo com vocês, duas pessoas que leem o meu blog. Na verdade não é um segredo, mas uma informação sobre mim que poucos sabem. Não porque eu escondo e evito contar, mas porque não me perguntam e ninguém liga. Então, é que eu não sei andar de bicicleta. Sim, é verdade, eu não sei andar de bicicleta. Sério, nunca aprendi. Não porque não teve ninguém para me ensinar, nem falta de tempo. Foi mais falta de interesse mesmo. É, falta de interesse. Eu nunca dei a minima para bicicletas. Eu era mais pra vídeo games e bonecos de ação. Sempre que algum garoto chegava em mim para exibir sua nova "bike", eu dizia:
-Hum, legal.
Mas na minha cabeça era sempre:
-Dane-se, eu não me importo.

Nunca soube explicar essa minha ausência de fascinação pelas bicicletas. Eu simplesmente nunca vi nada demais nelas. Nunca achei que precisava de uma. Tá certo que é mais rápido ir ao supermercado pedalando do que a pé, mas e daí? Eu gosto de andar a pé. Aliás, ando muito bem a pé, diga-se de passagem.

 Sim, eu já tive uma bicicleta. Duas na verdade. A primeira eu ganhei do meu pai quando era bem pequeno. Era uma bicicletinha azul, bem pequena, com pneus coloridos, bem de criança. E é claro, duas rodinhas laterais de apoio. Meu pai dizia que as rodinhas eram temporárias, e que quando crescesse não precisaria mais delas. Bem, eu já cresci bastante, e se quiser andar numa bicicleta hoje sem quebrar a cara, ainda precisaria das rodinhas.

Eu sinceramente não tenho nenhum rastro de lembrança de como foi a minha reação ao ganhar minha primeira bicicleta. Parece que não foi algo tão marcante assim. A tal bicicletinha acabou virando ferro velho, deteriorada pelo tempo, abandonada num canto qualquer do meu quintal.

Por volta dos 12 anos de idade, meu pai ainda insistia em me ensinar a andar de bicicleta, e me presenteou com uma velha caloi roxa. Era velha mesmo, foi doada para o meu pai e meu pai a passou pra mim. Era uma bicicleta horrível com uma cor bem sugestiva. Um roxo muito estranho, parecia muito com um rosa. Meu pai meio que me forçou a subir nela para praticarmos um pouco no campinho da rua de cima. Como eu sempre fui mais alto que os meninos da minha idade, tentava andar numa bicicleta aparentemente rosa, com meu pai atrás me segurando, é óbvio que comecei a chamar atenção dos outros meninos (menores que eu) que andavam de bicicleta (sem ajuda dos pais) no local. Daí a esperada zoação começou, comentários como "olha o tamanho daquele moleque, tentando andar numa bike de menina".

Pra começar eu nunca quis estar lá! Meu pai me dizia:
-Todo mundo sabe andar de bicicleta!
E eu respondia:
-Eu não sou todo mundo. Não preciso disso.
Aquele dia foi o fim. Eu não queria subir numa bicicleta pelo resto dos meus dias. Mas é claro que mais uma vez eu seria obrigado a subir em uma.

Mais tarde aos 19 anos, consegui um emprego na farmácia do sogro do sócio do meu pai. Na farmácia eu seria o responsável pela faxina e pelas entregas a domicílio. Para fazer as entregas os entregadores usavam bicicletas. Eu era o único que fazia as entregas a pé. É claro que o dono do estabelecimento, meu antigo patrão tentou me ensinar uma vez no meu horário de almoço nas ruas desertas atrás da farmácia. E lá fui eu, sujeito de 1,83 de altura, sendo empurrado na bicicleta por um senhor metido a atleta. Só não foi mais humilhante porque as ruas eram desertas. Depois de mais uma tentativa frustrada, continuei a fazer as entregas a pé. Pra mim tava tudo bem fazer entregas de remédio a pé debaixo do sol escaldante. Eu não ligava, eu até curtia. Pena que meu patrão gostava de agilidade. No final a minha completa falta de habilidades ciclísticas e extremo desinteresse em adquiri-las, acabou sendo um dos motivos da minha demissão.

Desde então nunca mais subi numa bicicleta de novo. E nem pretendo. E antes que alguém venha com aquele papo de "nunca é tarde para aprender", bem, eu não quero aprender, só isso. Bicicleta nunca me fez falta, de verdade.

 A falta de ideias acabou resultando nesse texto, desculpe. Uma professora disse uma vez pra mim:
-Escrever bons textos também é como andar de bicicleta, uma vez que a gente aprende nunca mais esquecemos...
Pena que nunca aprendi a andar de bicicleta.