25.11.16

Dominique

Dominique não gostava do seu nome. Achava masculino demais. Por isso o evitava sempre que podia. Exigia ser chamada pelo apelido. Apresentava-se sempre como Nique. Muitos de seus amigos não sabiam o seu verdadeiro nome. Isso era bom.
Era uma menina magra e um pouco baixa para sua idade. Pele morena. Olhos grandes e vacilantes que carregavam uma insegurança latente. Não era tímida, apenas quieta.
Tinha vergonha do seu rosto coberto de espinhas e o escondia atrás das longas madeixas ressecadas. Achava seu nariz redondo demais para ser chamado de nariz, e também o escondia com o cabelo.
Achava melhor assim.
Entre seus talentos estavam: estralar os joelhos ao saltar, e os ombros ao levantar os braços bem rápido acima da cabeça; envesgar o olho esquerdo enquanto deixava o direito perfeitamente alinhado; zerar o primeiro Metal Slug sem morrer e tocar violão - ou "violar tocão", como costumava dizer pra ser engraçada.
Dentre seus medos estavam: baratas voadoras, falar em público, ficar sozinha, envelhecer, passar a imagem de metida, ser pega dançando sozinha no quarto, ter os pensamentos lidos por alguém, nunca se livrar das espinhas, nunca ter peitos e nunca ser amada.
Nique tinha a mania de se rebaixar para não passar o ar de metida.
Tadinha, confundia boa autoestima com arrogância.
Até mesmo elogios ela tinha dificuldade de aceitar. Elogios preenchiam o ego. E o ego era uma coisa perigosa. "Quanto mais alto, maior o tombo. E o mesmo vale pro ego. Agora, quando se está de cara no chão, não se pode mais cair." ela dizia.
Nenhum dos seus amigos entedia o que ela queria dizer com isso.
No entanto, era uma ótima amiga. Todos os seus quatro amigos diriam o mesmo sobre ela. Uma companhia energética, que realmente fazia falta quando não estava por perto.
Era engraçada.
Não palhaça, mas inteligentemente engraçada. Um senso de humor surpreendentemente refinado do tipo que poucos apreciam. Além da sutileza, da cara de pau que ela tinha. Nique sabia, como ninguém, usar a seriedade para camuflar suas piadas. Quase nunca se notava o humor oculto em suas palavras, e quando se notava, você não só ria mas se apaixonava cada vez mais pela sua inteligência.
Isso garantia charme a sua personalidade. Nique podia não ser uma Victoria's Secret, mas tinha o charme magnético que falta em qualquer miss. A personalidade, o senso de humor, a despretensiosidade tornavam-na atraente para as pessoas.
Nique namorou um menino dois anos mais velho que ela por cinco meses. Foi seu primeiro e último relacionamento. O menino terminou tudo, dizendo que estava cansado de ajudar Nique arrastar sua autoestima pra lá e pra cá. Ninguém entendeu bem o que ele quis dizer.
Mas ela sabia. Não era a primeira vez que sua mania de se rebaixar acabava afastando pessoas. E isso a deixava péssima. Ninguém nunca viu Nique chorar, mas sabiam que acontecia regularmente.
Sempre que tentavam conversar sobre o assunto ela pulava para outro. Se insistissem, ela dizia que não queria falar sobre aquilo. Se tentassem mais uma vez, ela simplesmente ia embora e não falava com você por uns dois dias. Depois voltava a falar como se nada tivesse acontecido. Esta punição de dois dias era o suficiente para que não trouxessem mais o assunto à tona.
A vizinhança comentava que aquela menina com nariz de coxinha andava muito triste.
Um dia, Nique finalmente desabafou com uma amiga. Disse que queria mudar pois sabia que ia acabar sozinha, e isso era um de seus medos. Não queria mais se jogar pra baixo. Queria aprender a ter autoestima e se valorizar.
Levaria um tempo até Nique entender que seus defeitos eram apenas características. Todo mundo é diferente e sempre tem alguém pra te amar, não importa como você seja. Entender que não é errado reconhecer suas qualidades.
Levaria um tempo até ela compreender que o primeiro ato de amor e aceitação deve partir de você mesmo.
A vizinhança comenta que ela conheceu um novo garoto. Dizem que os dois se dão muito bem. Ela gosta do sorriso dele e ele acha o nariz dela uma gracinha.
Dizem também que quando o menino perguntou seu nome ela respondeu: "Me chamo Dominique. E o seu?"

9.11.16

Desperdiçar gente

Lembro-me de ter um talento: desperdiçar pessoas.
Sempre fui ótimo nisso. É um dom que nasceu comigo e que venho cultivando há anos. Sou um autodidata na arte de desperdiçar gente.
Por toda minha vida é o que sempre fiz.
Lembro-me de me calar em conversas com colegas de escola. De recusar-me a participar das aulas de educação física.
Quando não se exercita um músculo, ele atrofia.
Lembro-me de trabalhar em uma farmácia. Me sentir deslocado com as pessoas de lá, descobrir que gostava dessas pessoas, e que não sabia demonstrar isso para elas. E de ser demitido quando estava começando a me sentir bem trabalhando lá.
Lembro-me de conhecer gente que nunca mais vi. De rejeições e desinteresses. De desculpas esfarrapadas e de falta de reciprocidade. Da falta de atenção. A impressão errada.
Ah, a impressão errada.
É por esse meio que consigo afastar as pessoas, e, por fim, desperdiçá-las.
Porque a primeira impressão é a que fica. Infelizmente. Aí vêm o silêncio constrangedor. O pré julgamento. Reputação suja. Não há segundas chances. Ninguém tem tempo pra isso.
E aí já viu, né? Ostracismo instantâneo.
É justo ser punido por não obedecer as regras do jogo, sem nem saber quais regras ou que jogo se está jogando?
Também acho que não.
Mas seguimos em frente.

Toda essa coisa de trabalho

Sabe o que eu odeio?
Toda essa coisa de trabalho.
Primeiro: não sou nenhum preguiçoso que gosta de ficar em casa sendo sustentado pelos pais. Odeio ter que pedir dinheiro pra quem for.
Mas por outro lado, odeio também, todo o processo de procurar, encontrar e conseguir um emprego que não gosto. E depois ter que agir como se estivesse adorando, para passar aquela imagem de boa vontade para seus superiores e colegas de trabalho. Pra mim, é tudo um absurdo gigantesco. É cruel e imensamente desestimulante. É aceitar ser tratado como robô e rejeitar tudo que te faz ser humano. É uma desumanização criminosa!
Sério, pra mim é nesse nível.
É uma das coisas que mais me deprimem. Me deixa puto de verdade.
E o mais curioso é que eu pareço ter uma hipersensibilidade quanto a isso. Porque todos ao meu redor parecem aceitar numa boa. Ou pelo menos têm uma tolerância melhor que a minha. Ou quem sabe só não expressam sua indignação num texto do facebook, porque isso não vai resolver nada.
Ora, então por que não trabalhar com o que se gosta? Porque meu emprego dos sonhos requer a quantia de dinheiro que não tenho, e a coragem e estímulo que me é sugada todas as horas que trabalho num emprego que odeio. Não é uma opção.
E todas aquelas frases bonitas e motivacionais do tipo "trabalhe com o que goste e nunca terá que trabalhar na vida" não se aplicam na vida real.
Eu sei que a vida é difícil, e a gente tem que suportar muita merda pra quem sabe um dia, conseguir fazer o que gosta. Mas só queria deixar claro que odeio muito isso.
Sei lá, ter que trabalhar com o que não gosta é tão comum que as pessoas parecem ter se conformado. E eu não quero ser uma delas.
Este texto foi só pra te lembrar que não, não tá tudo bem, mas... Tudo bem.