29.6.16

Mudos e estáticos

Ficamos mudos e estáticos. Esperando pra ver quem vai cair primeiro. O primeiro a escorregar. O primeiro a pagar mico. O primeiro a dizer uma coisinha errada. E quando finalmente acontece, diminuímos a pessoa. Humilhamos ela enquanto nos gabamos de nossa perfeição, beleza e civilidade.

O medo é um senhor de escravos. Os escravos somos nós. O medo de falar nos tornou mudos. O medo de errar nos fez estáticos. Deste modo, seguimos calados e amputados tentando não pisar no pé de ninguém. Tentando não ser indelicados. Não ser o estorvo na vida do amiguinho.

 Assim vivemos, irmãos e irmãs, de mãos dadas, em formação ciranda cirandinha, girando sobre um chão ensaboado. Quem cair é expulso da brincadeira. Rejeitado do nosso círculo perfeito. Ele volta para casa e tira seu disfarce de humano social. Liberta-se de seus medos e pode ser ele mesmo de novo.

Já que a vida social é um teatro onde interpretamos papeis uns para os outros sem sair do personagem; a perfeição, beleza e civilidade são meros adereços. Servem apenas para bom julgamento do olho alheio. Não fazem parte da nossa natureza. A beleza é relativa, não uma única grande verdade; perfeição é ilusão e civilidade, bem, é um vago contrato social.

Nos arrancam nossas personalidades e recusam o diferente - o autêntico.

Espero um dia conseguir ser eu mesmo.

23.6.16

Vida e tempo

Ninguém me disse que não daria para voltar atrás.
É a sensação que dá. A sensação de ter aprendido coisas tarde demais. A sensação que a vida tem um manual que não li. A sensação que a vida deveria ter um manual.
A vida e o tempo formam um casal lindo.
E cruel.
Desumanamente cruel. imensamente cruel - isso é muito cruel!
Com a vida você só tem uma chance e a iniciativa deve vir de você. Se você não age, ela não te dá nada. Igual à algumas mulheres infectadas com o pensamento machista de "só o homem deve ter atitude". Injusto, cruel, tipo a vida.
Com o tempo você também só tem uma chance e deve ser rápido. Ele segue em linha reta numa só direção sem nunca dar meia volta. Como uma rua de mão única, sem semáforo, pedestres e motoristas infratores. Ele não te espera, ele não para. Ele não perdoa. Seu funcionamento é implacável, sua punição perpétua. Não te deixa voltar atrás para corrigir um erro. Pode-se, no máximo, se redimir no futuro, mas nunca apagar um erro.
Já me disseram que viver é desenhar sem borracha. Não se pode apagar seus erros, só se pode tentar fazer melhor adiante.
Você erra, aprende, se redimi depois.
Aí é que está ! Errar não é só humano, mas fundamental. O erro é uma experiência necessária para o aprendizado. Seu erro pode ser grave, fatal, traumático. Pra você e para outras pessoas. Mas é importante. No mínimo bem vindo. Na hora pode ser péssimo, mas depois é experiência adquirida. Uma área conhecida. O famoso "sei como é".
Eis o manual da vida. Você o escreve ao decorrer do tempo.
Entre derrotas e redenções constrói-se sapiência.
Ninguém me disse que não daria para voltar atrás. Aprendemos sozinhos mesmo.
Mesmo nos maiores deslizes, os que custam amizades, oportunidades de ouro, maiores arrependimentos de nossas vidas; mesmo nesses deslizes haverá o que se aprender.
Poderá ser traumático e doloroso. É o tempo com a vida. Casal tão rígido e cruel.

17.6.16

Expectativa

Diz-se que a expectativa é a maior traiçoeira dentre todas as coisas traiçoeiras. Ela lhe oferece a mão e te ajuda a subir na montanha, só pra depois te empurrar lá de cima.
A expectativa é uma puta.
Apunhaladora de costas, destruidora de corações. Ela te engana. Ela é o cheque sem fundo. O negócio da China ao contrário.
Ela te ilude, brinca com seus sentimentos. Te dá aquela rápida sensação boa de antecipação; algo melhor à vir, então, te desaponta. Ela é a chuva do seu rolê. O "só te vejo como amigo" da sua paquera. A ejaculação precoce da sua transa - ou seria a disfunção erétil?
Também ouvi que deve-se manter sua expectativa baixa se quiser evitar uma merda futura. Tipo sua taxa de colesterol, sabe? Se não quer ser empurrado da montanha, não suba nela. Não planeje rolês se não quiser se molhar na chuva, não paquere se não quiser ganhar um "não", não faça sexo se... bem, você me entendeu.
Vê o problema?
Não somos capazes de mantê-la baixa. Nem se quisermos. Nem se estivermos conscientes de que elevar nossas expectativas é aumentar as possibilidades de decepção. Quanto mais alto maior o tombo. Sabemos disso, mas subimos à estratosfera. É automático, instintivo, subconsciente. "Eu sabia que ia dar merda", então por que tamanha frustração? Talvez porque sonhar é bom. Antecipar felicidade e prazer é bom. Adoramos a ideia de que, em breve, daqui à pouquinho, vamos nos sentir bem de novo. E não podemos não pensar nisso. Não podemos ignorar. Está perto, logo ali. Quase chegando. Vai ser agora... e nada.
Aí caímos. A expectativa nos trai, e a realidade soca forte a nossa cara. A decepção, o "se foder", é inerente ao ser humano. Não há escapatória.
Mesmo tentando evitá-la, ela sempre estará à espreita, e no fundo, gostamos disso. Queremos ela por perto mesmo sabendo que, a qualquer momento, ela poderá nos apunhalar de novo, de novo e de novo. Assim fazemos as pazes, e nos dirigimos para a próxima traição.

14.6.16

Você espera

O sentimento de impotência. O nó na garganta. O aperto no peito. Quando sua felicidade depende de uma visualização de conversa no facebook, saiba que sua vida é desprezível. Uma vida triste e cheia de angústia. Essa é sua vida.
Quando você deseja tentar falar de novo: uma frase reescrita, um pedido reinterpretado, um desabafo. Quem sabe uma resposta, enfim. Mas aí o sentimento de vergonha, o receio, a cautela. O medo de piorar a situação. Estragar o estragado. Você pisa no freio; pensa duas vezes. Três vezes. Você não quer isso. Não quer ser o inconveniente. O chato. Não quer perturbar o sossego de ninguém. Além disso, é ela que não visualiza. Não dá pra fazer muita coisa.
Então você volta à sala de espera. Uma longa e dolorida espera. Tudo por uma visualização de conversa. Uma demonstração de interesse. Interesse real. Nunca se sabe. Não dá pra ver daqui. Não dá pra sentir a essa distância. Não dá pra ter certeza. Um emoji, uma carinha feliz não substituem um olhar. Num olhar você vê. Vê se ela vai voltar amanhã. Vê se ela quer conversar mesmo. Assim teria certeza. Mas daqui não se vê. Não desta distância.
Você espera.
É paciente. Paciente pra caralho. Admirável da sua parte. Talvez um dia ganhe sua resposta. Talvez um dia você saiba afinal. Talvez um dia a resposta venha.
Talvez.
A esperança é a última que morre. A paciência é a primeira.
Por que faz isso? Dê uma resposta. Uma só. Positiva ou negativa, tanto faz, mas me dê atenção. Sou doente, preciso desse remédio. Preciso da conversa. Preciso de você. Ou me mate logo. Não me deixe mais esperar. Só me mate mais uma vez! Já morri antes. Sei qual é a sensação. Mas visualize. Visualize e me dê a resposta.
Como ousa chamar-se "rede social", sua sala virtual de tortura emocional!?
Como ousa? Já não basta ignorar ao outro do lado de fora da sala, vocês se ignoram aqui dentro também?
Ou é só você?
Você é chato a esse ponto?
Como proceder? Como viver assim?
Como se mata seu pior inimigo, quando seu pior inimigo é você mesmo?
Você espera.
É tudo que pode fazer. Pode esperar ou desistir. Desistir é assinar seu comprovante de fracasso, outra vez. Desistir é deixá-la ir - se ela já não foi.
Mas você não quer isso. Você não quer mais saudade, mais ansiedade, mais espera.
Mas você espera.

9.6.16

Cada viagem, um show

Cada viagem, um show

Nessa eterna turnê poluída e barulhenta, aglomerada e calorosa, vou e volto continuamente, à deriva na vida.

Sobre o trilho de asfalto seco, entre uma parada e outra, me encontro perdido em olhares e viajando em pensamentos. Conhecendo pessoas, me despedindo delas, nos apertando em corpos estranhos. Do crepúsculo acinzentado à aurora morta de mais um dia de shows.

Shows que quebram a concentração, incomodam a audição, mas nos afunda em distração. De repente é assim: o fiel berra sua crença, o estressado se estressa, o ambulante vende seu peixe. A ambulância passa do lado de fora da nossa prisão sobre rodas, e não podemos fazer nada a não ser nos calar e consentir o embaraço.

Indo e vindo é um show. De horrores?

Você que sabe.

Nessa eterna turnê úmida e silenciosa, solitária e fria, vou e volto continuamente, à deriva na vida.

Sobre o trilho de asfalto molhado, entre uma parada e outra, me encontro perdido em olhares e viajando em pensamentos. Conhecendo pessoas, me despedindo delas, nos apertando em corpos estranhos. Do crepúsculo acinzentado à aurora morta de mais um dia de shows.

E blá, blá,blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá ,blá, blá, blá...