29.8.16

Usamos uns aos outros. Ao menos é o que parece. Relações humanas em geral não passam de um uso egoísta mútuo.
Você me faz rir.
Me dá companhia na solidão.
Me ocupa a mente no tédio.
Não sei o que faria sem você.
Quando você não tiver mais nada a me oferecer, terminamos. Ou nos afastamos aos poucos, até esquecermos um do outro.
Você nunca mais falou comigo, o que aconteceu?
Já te usei o suficiente, suguei toda sua atenção e carinho, esgotei seus recursos, acabou. Seus serviços não são mais necessários. Vou atrás de novas amizades, pegá-las na palma da minha mão, colocá-las na glande do meu ego, e usá-las até secar. Então parto pra outra.
Mas não se engane, o usado também usa. É um uso mútuo, lembra? Portanto, se é mútuo, tudo bem, né?
Isso não é uma denúncia, reclamação ou protesto. Somente uma constatação curiosa.
Posso estar errado.
Minha experiência em relações humanas é meio escassa.

20.8.16

Fútil

Seu cabelo não tem mais jeito. Em um mês ele se torna empenteável, porque está muito grande. E obviamente, você não gosta. Você não gosta quando ele está muito curto também. Uma pena, pois com sua máquina você só sabe cortá-lo baixo e você não quer gastar 15 reais todo mês para cortarem pra você. Seu cabelo não tem mais jeito.
Parece fútil, mas seu bem estar depende disso. Sua vida depende disso. Quando não se consegue gostar de si mesmo, o que se faz? Quando se sente uma carcaça velha, feia e vazia, como proceder? Doutora, queria te dizer que não tá dando mais.
Isso cansa, é cruelmente desgastante viver assim, se sentir assim.
Você queria seu cabelo liso de antigamente. Com ele dava pra ficar meses sem se preocupar em cortar. Lembro que o vento ainda bagunçava seu cabelo naquela época.
Você descobre que está ficando calvo aos 23 anos.
Você se sente derrotado mais uma vez. Se sente um cachorro morto que é chutado e pisoteado. O ódio te corrói por dentro, a frustração te deprime. Você sente o vazio familiar no peito. "Lá vem ela de novo"...
Você escreve um texto tristinho no facebook pra ganhar curtidas e se sentir melhor. Mas você sabe que é paliativo. Não há cura aqui.
Isso não vai acabar bem.
Você cai na cama de bruços. Não quer encarar mais ninguém. Adormece no final da tarde e acorda quando já está tudo escuro e não sabe mais que dia é. Levanta pra ir ao banheiro, desorientado. Olha o reflexo da luz da rua na porta de alumínio da cozinha. Se pergunta até quando isso vai durar. Porque isso cansa e é torturante e você não aguenta mais.
Seu cabelo não tem mais jeito. Em alguns anos terá um buraco completo no topo de sua cabeça. Vai ser horrível. Você já aparenta ser mais velho do que é, e vai parecer mais velho ainda. Se prepara. Segura mais esse tiro na sua autoestima.
A vontade de parar volta. Ela sempre vai voltar. É a sensação que se tem. É recorrente, repetitivo, corriqueiro. É cansativo pra caralho. É devastador pra caralho. Puta merda, como é cansativo! Você não tem mais jeito.
Sua vida não tem mais jeito.
Toda esta merda aqui, não tem mais jeito.

4.8.16

Em defesa do funk

Nunca pensei que faria isso, mas este texto é em defesa do funk.
Sim, o gênero musical que todo mundo ama odiar.
Acontece, acho. O tempo passa, a gente muda. Muito do que fazia sentido passa a não fazer mais.
Fico até feliz de ter mudado minha opinião sobre o assunto. Encaro isso como uma evolução. Uma prova de que ainda coloco minhas opiniões em constante questionamento. Te convido a fazer o mesmo.
Antes de tudo, quero deixar claro que, com este texto, não pretendo discutir gosto musical. Gosto, realmente, não dá pra se discutir. Se funk não faz seu tipo, ok. O texto não é para você.
O que pretendo mostrar é o porquê do ódio, desdém e culpabilidade que o funk costuma receber, estarem errados e não fazerem o menor sentido.
Também queria dizer antes de começar que, não sou "funkeiro", "roqueiro", "pagodeiro" nem nada disso. Pois usar títulos limitadores para rotular meu gosto musical não condiz mais com minha idade.
Sério, chega, né?
Hoje sou só um cara que gosta de (algumas) músicas. Embora me identifique mais com o rock, não me prendo só a ele. Já ouvi músicas boas de quase todos os gêneros.
Pronto. Agora vou tentar refutar os principais ataques e acusações que mais vejo usarem para diminuir esse tipo de música. Não digo que vou conseguir, mas vou tentar.
Você pode comentar os pontos que discordar para termos um debate amigável do assunto.
Ok? Vamos lá:
"Ah, funk não é música!"
Mas o que é música? Quando ruídos e barulhos passam a ser considerados música?
Quando é só barulho?
Quando é música?
Dica: música não é só aquilo que você gosta.
Pense na forma mais rudimentar e primal de música. Esqueça os arranjos e melodias complexas. Esqueça as variedades de instrumentos musicais. Não pense em letras de composição elaborada, deixe a poesia de lado. Não precisamos de vocal ou coro bem afinado. Não precisamos de vozes.
Isso.
Agora regrida mais um pouco. Se encontrarmos a fronteira entre o mero som inexpressivo e a forma mais simples de música, talvez podemos definir o que é música e o que não é.
E se for algo tribal? Indígena, quem sabe? Pense em mãos nuas, ritmadas, batendo tambores de pele animal. Percussão. Ainda é música, não é?
Agora, vamos regredir mais um pouquinho. Tire o ritmo das mãos percussionistas. Não há mais ordem na música tribal. São só batidas inexpressivas em tambores. Só barulho.
Parece que encontramos a fronteira. Encontramos a resposta. O ritmo é a chave. Coloque ritmo em batidas aleatórias e elas se tornam música.
Convenhamos: muitos funks carecem de melodia e letras mais complexas. Mas ritmo, eles têm. Funk é música, sim. Um estilo mais simples de música. Se comparado com canções mais complexas, talvez seja algo mais próximo da fronteira com o barulho mas, ainda, música.
"Ah, mas funk nem letra tem. Se tem, são sem criatividade. Só é preciso uma frase ou palavra pra compor uma letra de funk, que merda!"
Muita música erudita não têm letra. Digo, não há um só rastro de voz humana durante toda a composição. Há música instrumental em vários gêneros e muita gente gosta. A maior parte de funks que já ouvi, tinham vocais, sim. E é verdade quanto a simplicidade da maioria das letras.
Mas e daí?
Você já ouviu um artista internacional do qual não entendeu nada do que ele cantava, mas, mesmo assim, curtiu seu som?
E quando foi procurar pela letra traduzida na internet, viu que não era grande coisa?
Acho que pelo fato de pessoas gostarem de canções instrumentais e músicas estrangeiras das quais não entendem o que está sendo cantado, é seguro afirmar que, letras não definem a qualidade de uma música. Elas não são tão importantes.
Elas podem, no máximo, melhorar uma música que já é boa. Mas nunca gostamos de uma música, exclusivamente, por causa de sua letra.
Se você gosta só da letra de uma música, você não gosta da música, e sim da poesia inserida nela.
O que nos faz gostar de uma música é toda sua parte rítmica, melódica e harmônica. Instrumental ou vocal. Não é o que eles cantam, e sim como cantam e como tocam.
Podemos concluir então, que: sim, muitas letras de funk são simplistas, e pouco elaboradas. Mas não importa, já que não é a letra que define se a música é boa ou não.
Mesmo assim, você ainda pode não ter concordado quanto às letras de funk. Você ainda as acha obscenas e de muito mal gosto. Isso nos leva ao próximo tópico.
"Ah, mas a letra de funk é uma baixaria. Só tem putaria e palavrão!"
Mais uma vez concordo parcialmente com você. Não, não são todos os funks que falam de sexo. Sim, muitos deles falam e de uma maneira bem direta e explícita.
Mais uma vez: e daí?
Por que isso é ruim?
Por que isso é motivo de ódio e desprezo?
Possivelmente estamos entrando na área do gosto pessoal agora. Ok, sexo é um tabu, e muita gente foi condicionada a manter esse tabu pra sempre.
Ser conservador e purista sobre sexo é válido. Não é uma opinião que compartilho, mas esta discussão não cabe aqui.
Você está na companhia de outras pessoas. Um carro passa lentamente com alto falantes explodindo pornografia sonora. Muitos ficam constrangidos, e é perfeitamente normal.
O que quero dizer é que, o constrangimento que muitos sentem pelo assunto é compreensível, mas não faz sentido criticar um estilo musical por seu conteúdo sexual.
Sexo é um tema dentre outros. Muitas canções falam de amor, felicidade, tristeza, política, religião; por que não sexo?
E por que não de uma forma objetiva e clara? Só porque te constrange?
Não é elegante e artístico demais pra você?
Toda música deve tratar seu tema com elegância?
Eu não acho. E se você acha, bem, entramos de novo na área do gosto pessoal. Não posso mais fazer nada.
A questão é: por que não ser mais democrático com a música?
"Ah, mas o funk é machista. Ele rebaixa a mulher e a trata como simples objeto sexual!"
Não acho que isso seja totalmente verdade. Pode ser que alguns funks sejam machistas mesmo, mas não todos.
Generalizar é o erro aqui. Culpar um todo por causa de poucos é errado. Podemos dizer que o sertanejo faz apologia às drogas. No caso, o álcool. Estaríamos errados outra vez. Nem toda música sertaneja fala de bebida.
Sim, pode haver funk machista também. Em nenhum momento disse que era um gênero musical perfeito.
E se encararmos o funk não como machista, mas como uma música sexualmente liberta da qual até as mulheres podem se expressar?
Também devemos lembrar que há mulheres no funk. E elas cantam sobre sexo. O que penso é que, até os funks considerados machistas, são machistas por quais motivos?
O que você chama de rebaixar a mulher e tratá-la como objeto sexual?
Chamá-la de "vadia", "cachorra", e etc? Concordo se tratar de um linguajar machista e agressivo. Mas no sexo, parece que as coisas mudam.
Já ouvi relatos de homens e mulheres que gostam de ser xingados; de baterem e apanharem durante a transa.
Sei que parece estranho, mas é verdade. Coisas que consideraríamos agressivas e desrespeitosas no dia a dia, vira objeto de desejo e excitação na cama.
Alguns homens e mulheres gostam de dominar. Outros homens e mulheres gostam de ser dominados.
Variavelmente, homens e mulheres gostam de ser tratados como objeto sexual na hora certa.
E se o funk não for machista e baixo, mas sim, o único estilo musical que expressa, sem filtro ou censura, nossos pensamentos mais sujos e pervertidos sobre sexo?
Por que isso seria ruim?
É normal, libertador e completamente válido.
O que realmente falta, são mais representantes femininas no gênero. Para igualar as coisas.
"Ah, mas o funk incita a sexualidade precoce em crianças!"
Primeiro: esse argumento é muito similar àquele que diz que vídeo games e filmes violentos podem te transformar em um assassino. Assisto filmes e jogo vídeo games violentos desde criança; nunca matei ninguém.
Segundo: mesmo se eu estiver errado, afinal de contas, crianças (pré-adolescentes) estão na puberdade - ou seja - descobertas e curiosidades sobre sexo podem ser somadas ao teor sexual da música; a amiguinha ou o amiguinho do lado também podem estar afim e pronto: pai e mãe aos 14.
Mesmo assim, acho que o funk não merece a culpa.
Se seu filho, menor de idade, assistir vídeos pornográficos, faz sentido culparmos a indústria do pornô?
Como seu filho teve acesso à pornografia? Quem apresentou o vídeo a ele?
É a mesma coisa com o funk. O cara que leva esse tipo de música para menores de idade, é o culpado. O babaca que liga o alto falante do carro pra dar uma volta no bairro, é o culpado. O pai irresponsável que não sabe onde seu filho pré-adolescente anda, é o culpado.
E isso se eu estiver errado no meu primeiro argumento.
Então, só recapitulando:
- Funk é música, sim. Pois ele, ao menos, contém ritmo e ritmo, aparentemente, é o mínimo necessário numa música.
- As letras de funk são simples sim e isso não importa. Não é letra que define qualidade de música.
- As letras de funk são vulgares, sim. Qual o mal nisso?
- As letras de funk não são machistas, (algumas talvez) elas só são sexualmente livres.
- O funk não incita sexualidade em crianças. Se incita, ele é o menos culpado da história.
Bem, é isso.
Espero ter conseguido mostrar a alguém que o funk não merece todo esse desprezo e culpa.
Espero, pelo menos, ter deixado alguém em dúvida e disposto a repensar suas opiniões.