30.12.18

#5 - sobre se achar

Você se acha grande coisa. Se acha o entendido nos assuntos que domina, porque dominou os assuntos que domina. Mas você só acha que dominou. Você acha que toda pensamento oposto ou fora da sua curva, toda perspectiva diferente e nova, tudo que você não pensou antes ou primeiro do que todo mundo, está errado. Você se acha certo e todo mundo errado. É tudo um equívoco, um erro lógico. É tudo tropeço. Você se acha forte até se enfraquecer. Se acha inatingível até se ofender. Se acha seguro até ter a paz roubada. Se acha dono de tudo até não ter nada.

Se acha invencível, auto sustentável, independente. Se acha único e precioso até estar no meio de gente.
Você se acha importante e inigualável, se acha decidido desde do primeiro dia. Se acha bonito, simpático, um bom amigo. Você se acha demais.

Mas quando descobre que a mentira é antídoto da verdade, quando    encontra felicidade na tristeza, o bom no mal - aí, você percebe que não sabe nada. E quando você percebe que não sabe nada, percebe que agora sabe de muita coisa. Só quando se perde tudo é que você está verdadeiramente livre.

Você se acha sozinho, mas está acompanhado. Se acha triste, mas abre um sorriso de lado. Se acha menor, mas ainda não sabe que é gigante. Se acha chato, mas em pequenos detalhes é interessante. Se acha condenado para sempre, mas não vê em cada momento, inúmeras e pequenas oportunidades de ser salvo. A vida é um turbilhão interminável de novos inícios. Interminável mas não infinito. Então comece de novo. Mais uma vez, e de novo de novo. Porque você se acha e se encontra.

28.12.18

#4 - sobre escrever aleatoriamente o que vier na cabeça

Já faz 3 anos que eu não leio um livro. Perdi o interesse de ler. Será que isso volta? Será que foi para sempre? Era um dos meus hobbies favoritos, e desapareceu. Não sei porque, não sei como, só sei que acabou. Isso é preocupante.

Será que eu gostava mesmo de ler, ou era uma coisa mais para mostrar para os outros que eu lia? Uma tentativa de parecer interessante?
Não, eu tenho certeza que eu gostava.

As pessoas fazem isso. Fingem gostar de fazer coisas só por aparência, é meio triste, mas não sei se posso julga-las. Todo mundo quer ser aceito de alguma forma. Nem todo mundo é interessante o suficiente. Alguns se desesperam e fazem isso. Eu queria voltar a correr. Já faz uma semana que tô tentando voltar mas não consigo. É a preguiça. Quero correr para chapar a barriga. Mudar a alimentação e tudo mais. Mas é difícil deixar velhos hábitos pra trás. É difícil chapar a barriga. E chapar a barriga é pura estética pra mim. É só para parecer mais atraente. Eu devia sentir vergonha de dizer isso? Acho que não, todo mundo tenta parecer mais atraente o tempo todo. Com roupa, maquiagem, corte de cabelo, pose pra foto. É normal. Pode parecer coisa de gente superficial. É e não é. Todo mundo quer parecer mais atraente para alguém. Seja para encontrar um grande amor, seja para sexo. É outro assunto que as pessoas tem vergonha de falar. Sexo. Já parou para pensar nessa loucura? Sexo é uma coisa que todo mundo gosta (tirando os assexuais, claro), todo mundo sabe que todo mundo gosta, e mesmo assim, todo mundo meio que finge que não gosta. Ou tem vergonha de falar. As pessoas tem vergonha. AS PESSOAS TEM VERGONHA!
Por quê? Acho que nem sempre foi assim. Acho que foi uma vergonha adquirida e normatizada com o tempo. A religião tem o seu dedo de culpa nisso. Acho que algumas pessoas só são timídas.

Timidez. Tá aí uma coisa que poderia acabar, hein. Tem gente que romantiza timidez. Diz que é algo bom. É fofo. É fofo nos outros é claro. Tenho 26 anos de experiência na timidez e posso te afirmar: timidez é uma merda. Te limita em tudo. Você perde todo tipo de oportunidades, não consegue fazer amigos, não consegue falar direito com as pessoas. VOCÊ NÃO CONSEGUE FALAR DIREITO COM AS PESSOAS. Somos animais sociais. Todo progresso humano foi feito no trabalho de equipe. Na conversa, na troca de ideias, na confiança e cooperação. Se não se tem isso, você basicamente não tem nada. E só recentemente cheguei a conclusão de que a melhor coisa da vida, ou pelo menos uma das melhores coisas da vida é ter amigos. É a troca. A reciprocidade e o amor que você tem e ganha de outro ser humano. Era uma verdade que eu recusava aceitar, e só há pouco tempo percebi que era verdade mesmo.

Será que estou velho demais para ficar botando meus pensamentos online? Tem uma faixa etária pra isso?

4.5.18

#3 - sobre a ansiedade de sábado

Estou em rota de colisão com o sábado de novo. É sempre isso. Uma queda em alta velocidade, implacável e temerosa em direção ao sábado. A ansiedade crescente, o frio na barriga. Eu poderia usar o tempo da queda para me preparar, ensaiar, planejar. Mas uso o tempo que tenho de me preparar, ensaiar, planejar, para fazer...nada. O nó na garganta aperta. É sempre isso. Um ciclo vicioso de autodestruição, retroalimentação, incansável. Queria sentar na frente da brisa de um mar. No meio dos ventos frescos que rebatem em árvores de um campo. Sentar em algum conforto e conversar honestamente, despretenciosamente. Com a minha cabeça aqui e não no futuro a cada milisegundo. Não a minutos a frente, não a dias a frente. Só aqui e agora, no constante agora. Em algum momento do tempo eu me perdi, e nunca mais fui o mesmo. O tempo vai inundando você, até você desaparecer soterrado pelos disfarces que você criou para conviver no meio de gente. Você vai, cada vez mais, se enterrando mais fundo no meio de fantasias até não se encontrar mais. Você se perde para sempre. Para sempre perdido. Sua montanha de disfarces agora é sua realidade. O seu eu original, apenas um intervalo dessa realidade. Um intervalo que custa caro e vai te fodendo aos poucos. Silenciosamente.

É sempre isso. Mas nem sempre foi. A semana é a minha queda. O sábado o centro gravitacional. O domingo é o chão.

17.4.18

#2 - sobre um poema sem rimas

É o vácuo. É o nada.
É o vazio que não se preenche.

É a recusa de um papel
Em um filme previsível.

A renúncia de um cargo pré-determinado a você.

O habeas corpus definitivo
Da prisão domiciliar sagrada.

A rachadura de um paredão oco de tradições.

É o meu "não".

É decisão justa e consciente de falar agora e não se calar para sempre.

2.4.18

# 1 - sobre o que mudou

Criei o Blog Chato no fim de 2010. Estava de férias do colégio e entediado. E a ideia de mostrar meus textos e pensamentos para estranhos na internet era atraente. Porque eu era desesperado por atenção. E desesperado por amigos.

Era um adolescente absurdamente tímido e inseguro. Não mudei tanto nestes aspectos, mas melhorei muito. Minha autoestima vivia no chão e refletia o título do blog - "Blog Chato" era mais um mecanismo de defesa contra eventuais críticas que pudesse receber. "Meu blog é chato? Sim, amigo, eu sei, este é o nome dele!". Se eu me critico primeiro, ninguém mais pode me criticar, certo?

 Hoje minha autoestima orbita um pouco mais acima do chão, mas ainda é frágil.

Coisas mudaram nos anos em que estive afastado, usando o blog como depósito de lixo linguístico.

1- Conheci mais dois psicólogos na minha nova empreitada para a terapia. Espero nunca mais conhecer mais nenhum. Parei faz um ano e 5 meses, para voltar a trabalhar.

2 - Este mesmo novo emprego, que era na área de segurança no estacionamento de um Shopping, me ajudou um pouquinho mais a desenvolver minha confiança e comunicação interpessoal. Ajudou mais que a terapia, para falar a verdade. Acho que viver a vida continua sendo a melhor terapia possível.

3 - Comprei um Notebook para edição de vídeos e agora posso praticar uma das coisas que mais gosto de fazer na vida. Cinema é a minha maior paixão. Todo o processo de construção de um filme - roteiro, direção, atuação e edição, principalmente - me fascina. Já editei alguns vídeos que pretendo postar no YouTube um dia. Estou animado.

4 - Comecei a fazer um curso de teatro para me desinibir e desenvolver minha autoconfiança. E se nada der certo, posso dar uma de ator.

5 - Tive experiências com algumas drogas. Outra coisa na qual me desvirginei. É triste perceber que só consigo me divertir em festas, me soltar e ser 100% autêntico quando estou drogado.

6 - Como já dito, minha autoestima melhorou. Ainda está longe do ideal, mas já é alguma coisa.

Ainda tenho os meus dias - os dias que estou naqueles dias. Mas todo dia é um novo dia. Uma nova oportunidade para tentar fazer diferente do passado.

Nossa, às vezes nem eu aguento meu otimismo ocasional.

30.3.18

# 0 - sobre um recomeço

Este é um novo começo para o Blog Chato.

Havia abandonado o blog pela vigésima vez por julgá-lo ser uma fase já superada em minha vida.

Então, graças a um e-mail recheado de elogios de uma leitora antiga que recebi essa semana, decidi voltar a postar textos sobre a atual fase da minha vida.

Nova cara, novos textos, novo eu (nem tanto).

P.S. - Não prometo maior frequência de postagens. Vou postar quando houver bons textos prontos.

Não sei se vai dar certo, mas sei que quero tentar.

Também quero agradecer à Bárbara por reacender esse meu tesão pela escrita.

Até a próxima.

6.2.18

A mão direita do viajante escorregou quando faltava mais um metro de escalada na grande montanha cinzenta. Por sorte sua mão esquerda o salvou pendurando-se em uma das pedras úmidas e geladas da montanha. Ele teria se arrependido de arriscar sua preciosa vida se não fosse pelo seu objetivo no topo. Ao finalmente chegar lá, o viajante olha para trás e vê o abismo aberto querendo o engolir. Por um momento ele se sente magneticamente puxado desfiladeiro abaixo.

— "Se encarar o abismo por muito tempo ele te encara de volta", certo meu jovem?

O viajante pula e quase se desequilibra com o susto. Ele olha logo a frente e encontra o que veio buscar. Um senhor pequeno e muito velho está ali, sentado atrás de uma escrivaninha de madeira onde se vê uma plaquinha que diz "informações".

— Posso te ajudar, jovem viajante?

O viajante olha desconfiado:

— O senhor dá informações...certo?
— Sim, posso te ajudar?
— Que tipo de informação?
— Toda e qualquer tipo de informação que queira saber.
— O senhor pode ser mais específico?
— Ora, não dá para ser mais específico que isso, meu jovem. Eu forneço qualquer tipo de informação que procuras!
— O senhor pode me dar... exemplos?

O velho reclina-se na cadeira atrás da escrivaninha e olha pensativo para cima:

— Bem, posso te dizer o peso médio de um pato-de-crista, qual o tamanho de um prédio de cinco andares em centímetros, o nome da primeira tribo indígena descoberta na história, quem foi...
— Espera, são informações muito precisas, não acha?
— Sim, são precisas com certeza.
— O senhor sabe me informar quantos quilômetros por litro um avião percorre?
— Depende do tamanho do modelo, quanto maior mais beberrão. O monomotor PA28, mais conhecido como Tupi, por exemplo, gasta cerca de 40 litros por hora de voo a 230km por hora - ou seja, faz 5,75 quilômetros por litro.
— Impressionante. O senhor sabe me dizer qual autor com o maior número de livros escritos e publicados?
— Ryoke Inoue, com 1.100 livros publicados e assinados com 39 nomes diferentes.
— Hum, como surgiu...a gravata?
— Há 300 anos, ela era usada como distintivo militar por croatas que fizeram parte do exército francês no século 17.

O viajante ri:

— Não é possível, o senhor por acaso sabe com quantos paus se faz uma canoa?
— Surpreendentemente, um só grande tronco de árvore é necessário.
— Uau, sério? Espera, o que aconteceria se dois buracos negros se encontrassem?
— Eles se juntariam e destruiriam uma galáxia inteira, liberando a energia de 100 milhões de violentas explosões de supernova.
— O senhor tem resposta pra tudo! Me lembra um professor que tive na quinta série.
— Ah, sim, o Sr. Pires de matemática.
— SIM, espera, como o senhor sabe?
— Eu apenas sei, jovem viajante.
— Não, como o senhor sabe? Diga-me?
— Se você pudesse perguntar qualquer coisa para um velho que sabe de tudo, perderia seu tempo perguntando como ele sabe das coisas que sabe?

O viajante pára, incrédulo. Pensa um pouco:

— Tá, quero ver se o senhor sabe dessa. Havia um garoto que morava na minha rua quando eu era criança...
— Marcelinho, Josias, Alan, Rafael, Dener, Betinho, Andr...
— ANDRÉ, SIM! O senhor sabe o que ele costumava fazer toda vez que fazia um gol nos nossos jogos de futebol de rua?
— Claro, ele abaixava as calças e mostrava a bunda pra todo mundo.
— Hahaha, sim era isso mesmo! Nossa, isso me faz sentir nostálgico. O senhor sabe de uma menina, ela foi meu primeiro amor platônico, quando eu tinha 7 anos.
— Ana Kelly, descendente de japoneses, ela morava no seu prédio mas estudava em outra escola. Você saía todos os dias às 11 da manhã no corredor para ver ela passar e poder dar um oi.
— Sim, nossa...



O viajante olha para baixo e suspira.


— Ana Kelly. Me pergunto como ela está agora.
— Ela engravidou aos 17. Casou-se aos 18 e agora está divorciada e com problemas de bebida.
— Puxa, que pena.

Por um momento o viajante se perde em suas memórias, então uma faísca de pensamento o desperta.

— O senhor pode me dar uma última informação?
— Claro que sim, jovem.
— O senhor sabe me dizer como...
— Sim?
— Como se faz... Como ser feliz?

O velho olha com desapontamento.

— Sinto muito, jovem viajante, mas creio que essa informação seja confidencial.
— Ora, por favor, sábio senhor, ajude-me a resolver esse problema que me assola tanto, eu lhe imploro!

Um momento de silêncio.

— Ah, certo, vou te dar essa última informação.
— Obrigado, nobre senhor, muito obrigado.
— Então, o segredo da felicidade é...
— Sim?
— Não fazer perguntas.