27.7.16

Minha coragem

Minha coragem tem vontade própria.
Geralmente, menos vontade que eu. Vontade tenho até demais. Mas vontade sem coragem é só... vontade. E só vontade não é nada. A não ser que essa vontade seja da minha coragem. Aí já é alguma coisa.
Minha coragem é desistente. Ela quase nunca está por perto e decide sozinha quando vir. Ela sai e me deixa nú na frente de todos. Ela trava minhas cordas vocais e desvia minha atenção dos olhos das pessoas.
Ela me envergonha.
E me ajuda a envergonhar os outros.
Minha coragem é viva. Mais viva que eu. Ela sai e vai viver, enquanto eu fico em casa procurando-a. Como se já não fosse o bastante, ela rouba um pouco de vida que ainda tenho e me deixa querendo morrer.
Minha coragem é faixa preta em jiu-jitsu. Ela me leva ao chão e me imobiliza. Uma chave de braço, chave de perna, de cabeça. Um molho inteiro de chaves. Ela realmente sabe como me deixar imóvel.
Assim continuo a existir sem saber se ela fica e me ajuda um dia.
Assim me pego a refletir se é coragem que me falta ou me sobra em covardia.

23.7.16

Felicidade

Felicidade foi sempre um tema recorrente na minha vida. Não por abundância dela, mas por ausência mesmo.
Felicidade foi sempre essa coisa, essa...coisa, pra mim.
Essa coisa misteriosa. Essa coisa rodeada de dúvidas, sempre oculta e enigmática.
Essa coisa que você sempre ouve todo mundo falar bem e não tem muita certeza se já sentiu.
Então se convence de que tem que experimentar um pouquinho dela também. Todo mundo fala tão bem, não pode ser ruim.
Você sai em uma busca eterna.
Descobre que para encontrá-la deve, primeiro, saber do que se trata.
Você volta, recomeça do zero e vive tentando entender.
Você cresce e percebe que a tristeza é tratada como crime, ou motivo de vergonha. E começa a questionar a honestidade da felicidade alheia.
Felicidade é melhor que tristeza, é verdade. Mas, tristeza, indiferença, neutralidade são tão mais constantes em nossas vidas, que você começa a duvidar do número de pessoas que se dizem felizes o tempo todo.
Você cresce e percebe que esteve feliz muitas vezes na vida. E ainda fica, às vezes. Mas não é algo constante ou frequente.
Hoje, não acredito que se possa SER feliz. Acredito que se possa ESTAR feliz. Porque felicidade não é uma casa que você constrói, se estabelece e vive lá. Não é permanente. Não dura pra sempre.
Felicidade tá mais pra um hotel onde você pernoita e vai embora. Exceto que felicidade não costuma pernoitar. E não é você que vai embora dela, ela que vai embora de você.
Ela é fugaz, porém, repetitiva.
Ela vai embora para depois voltar, pra depois ir embora de novo. Pra voltar mais uma vez. Tudo em intervalos variados de tempo.
É isto que é a felicidade pra mim: momentos de prazer e bem estar que vêm e vão divididos em diferentes intervalos de tempo. Não é um objetivo longínquo e definitivo. São momentos que estão sempre por aí.
Se tem uma coisa que aprendi sobre felicidade é que ela não é contínua. Ela sempre acaba. Ninguém está sempre feliz, assim como ninguém está sempre triste. Se você está sempre triste, procure um médico. Se está sempre feliz, você deve ser muito irritante. E procure um médico também.
Se eu estiver certo, e a felicidade funcionar assim mesmo, então suponho que o melhor jeito de se viver é passando por o maior número possível de momentos felizes.
Mas há como provocar felicidade?
Sim e não. Felicidade varia entre momentos que acontecem por acaso e momentos que podem ser influenciados por você. Não se tem total domínio dela.
A parte da felicidade que pode ser provocada requer movimento, atitude. E nem assim é garantida. Mas é o máximo que se pode fazer. Abrir janelas para momentos felizes surgirem, ou não.
Ainda posso estar errado em alguma coisa.
São as melhores conclusões que pude tirar depois de anos de observação. Mas do alto dos meus 23 anos, não posso garantir nada.

18.7.16

Baque

Foi um baque.
Pulou para dentro do meu sono como um tiro, e me acordou. O baque abafado foi seguido de um burburinho.
Que horas são?
6:40 da manhã.
Faltam 20 minutos para o celular despertar. Eu precisava estar dormindo para ser acordado por ele.
O burburinho da rua aumenta e agora traz junto a si gritos de horror e lamentações. É melhor alguém ter morrido para me fazer acordar 20 minutos mais cedo!
Olho pela janela. Três andares abaixo um aglomerado de gente curiosa com alguma coisa vai se formando. Não consigo ver o que é. Já que estou acordado, posso usar esses 20 minutos que me restam para dar uma olhada.
Escondo a samba canção com uma calça e pego o elevador. A portaria está vazia e a rua cheia.
19 minutos para ser curioso.
Dirijo-me ao centro da comoção. O burburinho tá na minha cara, agora. O choro dolorido de uma senhora se destaca. Parece sério.
Aproximo-me da roda de transeuntes, vejo finalmente. De primeira vista fiquei confuso. Por alguns segundos perguntei-me o que era aquilo até conseguir distinguir a imagem.
16 minutos.
E ali, no meio da roda de transeuntes, jaz outra roda rubra rosada e espatifada no chão. Como se um tomate gigante tivesse sido esmagado por deus, ali, na frente do meu prédio. Em cima da mancha vermelha e rosada, o corpo nú de André, um jovem vizinho de porta. O reconheci pelas tatuagens no corpo. Se não fossem por elas seria impossível. Não havia mais cabeça; bem, havia um pouco, mas, seu rosto, sem dúvida, não existia mais. Seu corpo estava amassado contra o asfalto. Por um momento lembrei-me dos desenhos animados que via quando criança, quando algum personagem passava por cima do outro com um rolo compressor. Estava murcho, não parecia o André, mas sim uma roupa de André amarrotada. Uma pele prensada contra gordura e sangue.
Pergunto o que aconteceu para alguém ao meu lado.
- Ouvi dizer que o rapaz estava triste com o fim de relacionamento. Há dias não comia e não saía de casa. Parece que ele pulou do terraço, mergulhou de cabeça direto no chão. Que horror.
Vantagens de ter vizinhos fofoqueiros. Agora que ele disse, vejo onde a cabeça de André foi parar: a dois metros do corpo, mais à frente. Também a uns três metros mais para a esquerda e mais em vários outros pontos da rua. Tinha crânio e cérebro pra tudo quanto é canto. Que bagunça.
Soube que ele namorava uma moça problemática. É tudo que sei. Pobre rapaz. No auge dos seus dezoito, dezenove anos. Não o conhecia bem. Via ele de relance de vez em quando. Um bom dia, boa noite, um aceno de cabeça. Só.
9 minutos.
Mas parecia ser um moleque legal. Vivia brigando com a mãe. Ela não aceitava o namoro, acho. Ela chora e grita de dor do outro lado da roda de curiosos, onde é consolada.
- Meu deus. É isso o que um coração partido pode fazer... - diz uma senhora.
- Se isso é o que um coração partido pode fazer, eu não sei. Mas sei o que uma cabeça estourada no asfalto pode fazer: atrasar a vida dos outros.
Fala um velho ao meu lado. Ele olha pra mim:
- Você sabe do que estou falando, não é, amigo? Semana passada outro coitado se matou na avenida principal. Pulou de um edifício maior bem no horário de pico. Parou o trânsito. Levei o dobro de tempo pra chegar em casa.
Sei do que o velho fala. Estava no trânsito também. Voltando para casa. O cara não podia ter se matado mais cedo, ou um pouquinho mais tarde. Não, tinha que ser no horário mais movimentado do dia. Nunca pensei que um suicida saltador de edifícios poderia parar o trânsito assim.
- Foi um estrago. Quando passei pelo morto no trânsito, você tinha que ver. Não era um presunto, era carne moída, irmão! Tiveram que catar o cara com uma pá. Rasparam o maluco do asfalto. Esse moleque aí não foi nada. Já vi coisa pior.
Por um momento me senti num concurso de suicídios. E André não tinha vencido como a morte mais violenta.
Então outro baque me desperta e me faz notar algo assustador: não estou chocado com o acontecido. Nem esse na porta de casa, nem o de semana passada na avenida. Bem, fiquei surpreso na hora que reconheci André, pois o conhecia de vista. Mas não estou chocado. Horrorizado. Triste. Só curioso.
É assustador.
Pessoas puxam seus smartphones para tirarem fotos e filmarem o que restou de André. A internet anda meio chata, ela implora por um vídeo de um cadáver murcho e sem cabeça.
Muito assustador.
Li uma vez que a vida na cidade anestesia os homens. Sou testemunha disso agora. Noticiários de desgraça, banalização da violência. Do grotesco. É só mais uma terça-feira pra gente.
Um morre hoje, outro amanhã. Acontece todo dia, por isso é normal. Não devia ser. Aos poucos perdemos a empatia. Perdemos a humanidade. Vai ficando mais e mais normal. Imagi-
7 horas.
O celular desperta no meu bolso. Nossa, quase me esqueci. Tenho que subir correndo e me arrumar. Se chego no escritório atrasado meu chefe me joga lá de cima.

8.7.16

Tudo bem?

"Tudo bem?"
"Como vai?"
Não sei desde quando sinto essa dúvida em responder tal pergunta. Uma rápida indecisão. Uma mini reflexão comprimida entre o momento da pergunta e a minha resposta.
"É... Tudo bem..."
Nem sempre é verdade, minha resposta. Às vezes é. Às vezes é pura mentira. Tem vezes que são os dois ao mesmo tempo.
Com o tempo essa dúvida crescia. A cada "e aí, tudo bem?", ela ficava mais incômoda. Um ponto de interrogação gigante cravado no meu crânio aumentando de tamanho e alargando o buraco na minha cabeça. Isso é bem incômodo.
Fico pensando o que essas pessoas querem ouvir de resposta. Essa gente educada, me torturando com sua gentileza e cordialidade.
"Não tá TUDO bem, obviamente. Mas OK... Não, não tá tudo bem. Nada tá bem. A vida tá uma merda na verdade. Mas não se preocupe, ignore minha infelicidade e viva sua vida. Duvido que esteja TUDO bem com você também... "
Ou...
"Tá TUDO bem, sim. Cara, tá TUDO ótimo. Minha vida é perfeita. Sem nenhum problema a ser resolvido. Preocupação zero. Tudo excelente. Amo meu emprego. Tenho dinheiro de sobra. Todo mundo me ama. Até porque sou muito foda. Tão foda que dirijo meu carro importado com um pé só, e um dos olhos fechados..."
Acho que é mais fácil só dizer que tô bem.
Nem sei se elas esperam mesmo uma resposta. Talvez seja só um ato de educação que ficou automático e perdeu o sentido. Talvez seja um modo de quebrar o gelo, começar uma conversa. Tipo "e esse tempo, hein? Será que chove?". Perguntas que não precisam de respostas, só servem de ponte para ligar duas partes de uma conversa.
Algumas pessoas parecem não se importar com uma resposta.
Não parece importante no fim das contas.
Porém é aconselhável que responda. O silêncio é perturbador pra eles. É interpretado como má educação ou arrogância. Nunca como timidez ou uma incerteza imensa do que responder.
Quem sabe esta seja a mentira mais dita e aceita por nós.

4.7.16

Sobre a beleza

Venho aqui compartilhar com você o que aprendi sobre a beleza: ela é realmente relativa. Subjetiva demais para julgar como algo absoluto. Algo muito mais pessoal do que generalizado. Não é como uma cor. O vermelho é vermelho pra todo mundo, certo? O que for bonito pra você, pode não ser bonito pra mim e vice versa. Aprendi que defeitos são, na verdade, características. Dentes tortos, partes do corpo de tamanho desproporcionais, uma mancha ali, uma pinta aqui - são características que nos fazem únicos e diversificados.
Aprendi que na ausência da beleza estética e superficial, o conhecer, o conversar, o ficar íntimo pode nos fazer enxergar beleza onde não se via. Desse modo a feiúra se transforma numa cegueira causada pela ignorância. Uma venda removível. Um pré julgamento. Algo mais nosso do que dos outros. Desse modo a beleza física parece dispensável, já que, a verdadeira beleza, aparentemente, encontra-se dentro de cada ser.
Mas no final não importa, né?
A mídia, revistas, outdoors e filmes já fizeram um bom trabalho de nos convencer do que pode ser bonito ou não. Veja amigo, não há muita importância no que aprendi. Já estamos infectados. Tarde demais. A lavagem cerebral foi um sucesso.
"Beleza não é tudo".
"A beleza interior é o que importa".
Não interessa!
Você vai continuar jugando pessoas pela aparência. Vai continuar rindo delas pelas costas. Classificando-as com seus amigos ou amigas. Vai ser muito divertido, como sempre foi!
Você, abençoado com o padrão da beleza instituída permanecerá sempre à frente. Na vida social, afetiva e sexual. Não se preocupe, a vantagem ainda é sua. Sim, conhecer pessoas, conversar com elas, dá muito trabalho. O visual é imediato, um atalho para se conseguir coisas. O agradável aos olhos vai continuar sendo o preferível. O "feio" é descartado logo.
E adivinha? Você, amaldiçoado de baixa autoestima, vai continuar se achando feio. Sinto muito. Vai continuar tentando se adaptar aos padrões para se sentir melhor. Mudando o cabelo, entrando em forma, seguindo a nova tendência do verão, se maquiando, escondendo suas características próprias, photoshopando-as.
É subconsciente. Mesmo sabendo que a beleza física não é o mais importante, mesmo sabendo que somos manipulados, continuamos exaltando e invejando os belos - enquanto ignoramos e diminuímos os feios.
E essa situação não é bonita nem por dentro.