21.2.13

Caminhando noite adentro

A brisa fresca do anoitecer. O silêncio ensurdecedor da madrugada. A calmaria que antecede.

Desviei do meu caminho corriqueiro hoje. Não sei porque. Não sou um cara impulsivo, pelo menos não era da última vez que chequei. Desci na estação de trem errada, porque eu quis. Acho que desta vez, inconscientemente, resolvi curtir a noite...ao meu modo.

É noite, e numa hora dessas pessoas estão se acabando em baladas, outras enchendo a cara em barzinhos, outras tendo orgasmos por aí. Eu só estou andando noite adentro. Porque sim, posso? Talvez só esteja esperando um imprevisto, alguma coisa acontecer, qualquer coisa para quebrar a monotonia. Gosto da noite. Na noite tudo parece funcionar melhor. Mais calma, menos caos.

Ainda caminho sem destino, deixo apenas minhas pernas me guiarem. Por algum motivo vim parar na Avenida Paulista. Então cesso a caminhada, cruzo os braços e fico admirando a beleza dos colossais edifícios do local. Um sujeito de estatura mediana, de cabelo curto, barba por fazer e óculos, se aproxima. E quando ele fala, Claramente percebo que é homossexual também:
- No meu tempo braços cruzados era sinal de timidez.
Eu apenas olho e abro um sorriso. Mas ele não vai embora, e repete:
- Sabia que no meu tempo braços cruzados era sinal de timidez?
Então eu respondo:
- Pelo jeito continua sendo.
Ele ri da minha resposta:
- Você tá feliz?
Acho a pergunta estranha e retruco.
- Por quê?
- Você não parece feliz, você tá feliz?
Por uma fração de segundo penso em fazer o que faço usualmente, mentir e dizer que estou. Mas um misterioso ímpeto me faz dizer a verdade:
- Não, não estou. Eu deveria?
Ele reage como se não tivesse escutado a minha pergunta:
- Por que não?
- Não sei, acho que não vejo motivos para me sentir feliz.
- O que você tem? Fala pra mim.
Fico sem jeito, como de costume:
- Não, tá tudo bem.
Ele insiste:
- Vai pode falar, faz bem desabafar. Você não desabafa com ninguém?
- Geralmente as pessoas não gostam de ouvir desabafos de pessoas tristes. Elas fogem, parece que têm medo.
Ele ri alto, coloca a mão sobre meu ombro e diz:
- Olha, não sei porque, mas gostei de você.
E então, sem mais nem menos, ele vai embora.

Olha só, me senti lisonjeado. Foi estranho, por isso foi interessante. Agora de volta a monotonia.

8 comentários:

  1. Anônimo21:23:00

    Eu queria ter coragem para ser esse tipo de pessoa. Fazem nosso dia melhor.

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    1. Anônimo20:07:00

      Sem medo de falar com os outros. Ver alguém na rua e ter coragem para encarar a pessoa e dizer alguma coisa legal. Esse tipo.

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  2. " Geralmente as pessoas não gostam de ouvir desabafos de pessoas tristes. Elas fogem, parece que têm medo." Eu penso exatamente a mesma coisa. Mas na real, sabe o que é? As pessoas gostam de fingir que está tudo bem. Escancarar um sorriso 24 horas por dia. Como se fossemos assim, programados para sorrir. E pessoas tristes exprimem a realidade. E a realidade doi, cansa, estressa,deprime.

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  3. Anônimo13:58:00

    vc é hetero, Andy ?

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  4. Seu texto, dessa vez, me trouxe um leve desconforto de final sem fim. Sabe, quando alguma questão foi colocada no corpo da história e não foi respondida... mas antes que pense, isso não foi uma crítica.
    Vou explicar melhor, acho que os melhores textos (sejam de qualquer forma ou assunto) são aqueles que transmitem alguma sensação a quem o lê. Nesse caso senti esse desconforto de final sem fim, o que é EXTREMAMENTE nostálgico... quase pude me teletransportar para a mesma avenida, escutando a voz do mesmo homem, sentindo a mesma brisa noturna....
    Parabéns pelo texto.

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